sábado, 18 de dezembro de 2010

wordworld


"Pra mim, e isso pode ser muito pessoal, escrever é enfiar um dedo na garganta. Depois, claro, você peneira essa gosma, amolda-a, transforma. Pode sair até uma flor. Mas o momento decisivo é o dedo na garganta. E eu acho — e posso estar enganado — que é isso que você não tá conseguindo fazer. Como é que é? Vai ficar com essa náusea seca a vida toda? E não fique esperando que alguém faça isso por você. Ocê sabe, na hora do porre brabo, não há nenhum dedo alheio disposto a entrar na garganta da gente."
Caio F.


Não escrevo pra que seja bonito, não penso em métrica nem em rima. Nem escrevo pra você gostar, não crio rotinas pra isso. Só escrevo quando as palavras me rompem os poros da pele, me afundam os olhos e me amarelam os dentes - sensação estranha de ter palavras demais dentro de si. Escrever me faz ficar cara a cara com os sentimentos que eu mais escondo, que mais atrofio dentro de mim; e este é o gozo mais doloroso do qual já desfrutei. Ainda assim escrevo, por motivo nenhum além do fato de isto ser exatamente o que eu preciso. Só escrevo porque não há opção.


sexta-feira, 5 de novembro de 2010

do amor, ainda me resta o café

"Nada nunca dá certo de vez
tudo termina sempre acabando
só o fim permanece
o fim eterno de todas as coisas
então eu me dissolvo antes do fim
eu me dissolvo."
Camila Lopes



Acho que vou me nutrir assim - chega de álcool - só de café. Vou me nutrir inteira deste prazer que agora me dói e não satisfaz, nem me deixa acordada. Bebo o café como se bebesse a mim mesma - como se bebesse você. Antes eu não dormia pela simples falta do teu cheiro de café ao lado, agora não durmo por não saber o que fazer com o que sinto. Me ocupo todo o dia, me preocupo com coisas que julgam importantes, me embriago eou me drogo, mecanicamente esqueço do que quero e sou, tudo pra te manter longe. E conservo sempre alguém por perto, que converse sobre coisas desinteressantes e impeça que a minha cabeça distraída pense em você querendo não querer. Alguém que não tenha suas mãos pequenas ou o teu sotaque de lugar nenhum; qualquer pessoa que não ouse deixar escapar pequenos sorrisos enquanto me beija a boca e que não dê suspiros profundos ao me abraçar. Abraço maldito. Que me faz desejar me livrar de tudo o que tenha acontecido ou não, do que eu tenha dito ou pensado, escrito ou sentido. Crio ocupações insignificantes como andar até grandes avenidas para olhar as pessoas passando ou assistir certa peça ou filme que não-lembro-quem me indicou. Tudo só pra que eu me desvie da tua voz chorosa no telefone em plena madrugada, do meu desespero por estar completamente perdida, por nunca ter pensado que nada disso iria acontecer. E lá se foi a inocência que me restava e que eu julgava já não ter. O que me sobra é só essa cidade cheia de rostos adornados que eu não reconheço e o meu corpo dolorido levantando involuntariamente da cama para mais um banho frio seguido de outro café. O que foi que fizemos? Por que não evitamos e hesitamos assim? Quando me diagnosticaram autodestruitiva eu fiz jus ao meu ceticismo e desacreditei. Burra. A verdade é que comigo as coisas precisam ir sempre mal para que eu possa explicar essa vida tão frívola. Não suportaria perceber o quanto, na teoria, tudo pode estar indo completamente bem, enquanto eu continuo afundada em merda por escolha própria - você sabe. Quando algo possui qualquer possibilidade de dar certo, eu destruo e implodo. Então sou só eu e o rosto bêbado sendo apertado contra o lençol, cabeça rodopiante que continua tentando não lembrar das tuas pinturas que admiro, da tua escrita que me fere em emoção. Mas não há raiva, meu amor, nunca haverá. Talvez o amor se dilua, mas ele nunca pode se transformar em outro sentimento - não há cartas para rasgar ou fotos para queimar, só há você dentro de mim intocável e abafada. Assim, eu vou embora apenas por ser incapaz de te ver partir, sufocando tudo o que eu guardei para você e que não pode ser de mais ninguém. Mas ainda me resta o café, com o cheiro aconchegante que infesta a casa e, inoportunamente, continua me lembrando você enquanto o gosto amargo não me deixa esquecer que...acabou.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Ana Clara

eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta, eu sinto tanto a tua falta.

Brega e clichê como as noites embriagadas que deixamos pela lapa, pedaço exilado de mim.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

I love you, I'm not gonna crack

Domingos são sempre uma grande merda. Ainda assim recusei todos os convites e saí de casa tentando me convencer de que era um dia bonito, como essas pessoas que conseguem simplesmente fechar os olhos e seguir dormindo até tarde, cafés-da-manhã ao meio dia embebidos em expectativas de uma semana melhor. Havia um sol calmo amansado pelo vento frio. Dei umas 3 voltas pelo parque, lendo as placas que contavam sobre plantas artificiais plantadas por entre os prédios cor-de-adeus e olhando as crianças que brincavam despreocupadas e asquerosamente inocentes. Um dia será você também, por mais que eu queira que não. Um dia será você já que não há saída. A ordem e a tranquilidade eram tão caóticas que dava pra ver os alfinetes entrando na pele a cada segundo. Estava tudo tão bem que a gente agonizava por dentro, e as pessoas corriam porque é preciso ser saudável e comiam não por fome mas por satisfação e assistiam uma peça de teatro infantil idiota com atores clichemente fantasiados - já era assim muitos anos atrás.
Primeiro, como de praxe, pensei em fazer o cobiçado trajeto do viaduto abaixo. Um garoto gritava sua cadela TÍFANY TÍFANY TÍFANY e eu me perguntava - céus - pq raios havia saído de casa. pq não conseguia achar tudo aquilo normal, pq aquilo arranhava por dentro lembrando que não existia nada mais. Isso já não se parece com um filme, meu amor. Já não há mais poesia que expresse ou conforte ou. Isso é uma luta. Alguns saem quase ilesos da briga consigo mesmos, outros esfarrapichados e destroçados com aquela primeira dor de quem acabou de descobrir uma verdade crua e rude. Porque a culpa já não é minha, você vê? No começo a gente busca, procura, e futuca a ferida por dentro pra entender que as coisas não são bonitas como foram pintadas. Mas chega uma hora em que vira desnecessário, já vejo através das coisas e das pessoas, esse é o momento em que a gente fica esperando qualquer acontecimento surpreendente como o milagre no qual não acredito. Um ópio que espante de vez esse tédio ocioso, mandando pra longe a calmaria da confusão premeditada. Já tentei acreditar que o problema é essa cidade, mas São Paulo na verdade não é mais que o espelho do meu caos interno. O caos a cada esquina como um tapa na cara, as madrugadas vagando com mil coisas na cabeça e ficando engasgada com o grito que nunca sái. Isso aqui é um depósito de pessoas que não se contentaram em saber que o caos existe, mas que quiseram vê-lo de perto. Às vezes fantasiado de puta, bêbado, travesti e - na pior das hipóteses - completamente nú.
Mas ainda deve haver alguma verdade perdida em janelas de ônibus ou no cimento rachado do meio-fio. E é dessa suposição que vivemos, é ela que me faz ainda querer guardar bem mais do que cabe em mim. Queria mesmo era que este roteiro fingido desaparecesse, ou que pelo menos que ele aparecesse pra todos como realmente é. Quem sabe assim eu poderia escrever algo bonito como a lembrança embriagada que guardo de ti. Mas a agonia vai sair de cartaz, meu amor. E por ti eu não vou me diluir, por nós não vou me deixar afogar no que faz os medos serem assim tão delicados.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

eu não tenho tempo, mas as palavras ainda me tem.

a unica dor que dura pra sempre é a dor de existir.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

mas os pássaros migram pro sul no inverno...

Para ler todos os dias antes do café:


Apertei meu corpo na cama, desengasgando o abraço que não te dei. Era uma agonia como estar andando na rua e do nada sentir vontade de escrever sem ter papel nem caneta. Andar na rua, sentir vontade de te abraçar sem te ver. Os meus olhos mal acompanhavam a velocidade branca-prata-preta nas avenidas, os faróis vermelhos que continuavam piscando sobre o preto das minhas pálpebras quando fechava os olhos me lembram o som do teu coração durante a noite, enquanto eu brigava com o sono pra poder te ouvir. Mas eu já andava levada pela brisa preguiçosa do começo da tarde, te procurando entre os rostos curiosos e intimidadores que escorriam enquanto passavam por mim. Eu não podia os ver sorrindo por dentro como via você. E não era nada espantoso; não me impressionava que eu não conseguisse sentir muita coisa com qualquer pessoa depois de ter sentido tudo aquilo contigo. Meu rosto dizia exatamente o que o lábio calava. E eu piscava os olhos rápido temendo alguma vez abri-los em um momento anterior, talvez enquanto você dava um daqueles sorrisos espontâneos que eu esperei surgir em tantas outras pessoas - mas que nunca vieram. O problema, na verdade, estava no meu medo sendo afagado pela distorcida recém-adiquirida capacidade de tentar mudar a realidade de que o meu único bom relacionamento era com a Sra. Stolichnaya.

sábado, 8 de maio de 2010

Positividade é para os fracos

Voa em mim

Enfiaram uma rolha de vinho barato na minha última válvula de escape, outra vez.  Não vou mais comer, nem beber. Quero sentir fome e sede. Vou enfiar a cara no forno aceso pq quero sentir queimar. Quero sentir qualquer coisa, qualquer coisa menos isso.
Somos todos cretinos sim, Bukowski. É a cretinice que nos faz pensar demais e desejar apenas a companhia das palavras e de um álcool qualquer. Eu não te quero, dia ensolarado – deixe-me aqui com meu blusão. E, assim como o passaro azul no seu coração, hoje eu sei que também tem um pássaro preso dentro de mim.
Não sei quando ele chegou, se é que chegou ou que sempre esteve aqui. Não sei se o colocaram aqui dentro enquanto eu estava sóbria de menos pra perceber, ou ocupada de mais pra me importar. Mas isso explica as pontadas agudas no peito antes de dormir, e muitas ao acordar. Era o bico fino me comendo por dentro, eram as asas úmidas e fracas agonizando pra sair, e o meu silêncio não passava do canto rouco do pássaro frágil que ninguém nunca conseguiu ouvir. O meu apreço pela solidão nunca foi mais do que a certeza de que, na realidade, eu já estava acompanhada. E no meu coração não há aço nem asfalto, como sua temperatura fazia parecer, ele foi predado pela fome e o ódio de um pássaro trancafiado – por isso eu o sentia doer.
Ele voa em mim, porque sou só espaço vazio, e vence a gravidade do meu corpo até se trombar com os meus limites, decepcionado. Tem olhos grandes o suficiente para conseguir enxergar no escuro que eu sou. As vezes se move durante horas, dias, se esforça até perder a última pena pra voar pra longe da minha pele em forma de grades. Vive tomado pelo cansaço de quem resiste em vão, mas não perde a beleza triste; não cala o canto gritado quase em forma de grunhido, não deixa de me lembrar que está ali – comigo, em mim. Certas vezes encosta a cabeça no meu ventre, exausto, com o corpo magricelo em farrapos; então dorme abraçado às minhas entranhas pedindo desculpas pela bagunça que me faz.
Tem um pássaro preso dentro de mim, e eu sou uma jaula, encadeada por tudo o que não me permite simplesmente fugir.

M.M.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

lembranças que não me reconhecem mais

Os pés que chegavam da rua marcaram o chão com pegadas molhadas, sobre elas e a poeira de costume, deitavam-se as roupas jogadas às pressas pelo chão. Haviam gritos, também. Gritos roucos e desafinados disputavam em altura e exaltação. Como árida trilha sonora o som de duas televisões ligadas em canais diferentes e de algum jogo de computador. No fundo de tudo, tentando sobrepor-se à toda sinfonia barulhenta, havia uma torrencial e passageira chuva de verão.
A situação era tão aterrorizante quanto o contexto, as palavras ditas tão enfurecidas e perfurantes quanto os olhos do garoto propaganda na TV. Não houveram tapas, já não podiam mais, seria uma bela disputa de forças como Spartacus e seu adversário numa arena, sem intervenções até que um caísse sobre a areia quente, morto de ódio e humilhação. Os motivos já não precisavam ser questionados; ninguém estava certo, ninguém iria ceder.
As palavras afiadas arranharam a garganta antes de saírem, esta estava seca e dolorida – os cigarros também ajudaram. Era o que restava das brigas em que só haviam derrotados: o olhar fulminante que desejava passageiramente uma vingança que nunca viria; porque, na verdade, o ódio também nunca veio. Mas haviam limites e nenhum de nós negava saber disso. Um dia alguém disse que as pessoas deveriam viver juntas e se respeitarem enquanto umas mandavam nas outras; todos aceitaram isto e nós estavamos sentindo o quanto não dava certo. Algumas pessoas simplesmente não se adaptam a todo este fingimento, e eu era assim. Talvez não amasse, mas também não odiaria; desde que me deixassem ficar em silêncio sem me perguntarem o porquê.
Parece fácil assim, quando eu digo; mas não é. As pessoas precisavam dar ordens e demonstrar o quanto eu era dependente delas ainda que soubessem o quão isto não era verdade. Mas as verdades não eram o mais importante agora; as mentiras que eram repetidas todas as vezes acabavam me parecendo mais sinceras, me convenci de que o problema era comigo e decidir ir, e passar o resto da existência sempre indo o mais longe que puder.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Tiago Ribeiro

"Parece-me agora, tanto tempo depois,
que as partidas-dolorosas, as amargas separações,
as perdas-irreparáveis costumam lavrar assim o rosto dos que ficam."
O Marinheiro, Triângulo das Águas - Caio Fernando Abreu

Formava-se, antes de tudo, um voluptuoso nódulo nos corpos estáticos. No cerne das vísceras engrandecia-se como um verme, enegrecia-se. E as angústias apressadas migravam nas veias sujas, até chegarem na parte em questão. Incomodava por dias e noites, nos impedindo de dormir. Antes não; antes havia sido apenas uma parte do corpo que não clamava por tantos cuidados; mas que era indispensável ao, apesar de tudo, funcionamento de cada um.
Agora, então, era uma bola de sensações inoportunas, redondas e orgânicas como tinham que ser. Não havia nenhuma sofisticação naquelas sensações animalescas que vinham como visitas apenas na hora de partir. E partiam. O nódulo crescia até não caber mais no espaço que o envolvia; como um embrião sugava as forças dos últimos suspiros de desespero, apatia incrédula e fina dor. Fina, no meio do peito como aquelas que tentam decidir entre um nunca mais e um até logo. E até logo, pequeno pedaço arrancado de todos nós. Significativamente éramos fagocitados aos poucos pela falta de sentido dessa vida faminta, louca para devorar aqueles que a desafiam. Você nos come aos poucos, vida; aos pedaços. E dessa vez só restou o instrumento deitado ao canto, esperando pelo sopro agora menos denso que o ar. E uma câmera ligada caída no chão, gravando os passos moribundos dos que a vida ainda há de devorar. Mas te comemos também, breve existência, e te comemos sorrindo e brindando a nós mesmos, aos nossos pedaços. Porque se você nos quer por inteiros, só te queremos para alguma satisfação.

Saiu assim, antes do choro.
Mariana Morena

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Em lugar de um poema

"Quando um boi está morto de trabalho
ele se vai
e se deita na água fria.
Afora o teu amor para mim não há mar,
e a dor do teu amor nem a lágrima alivia.”
Lílichka, Em lugar de uma carta – Maiakovski


Você vai me dizer que não. Que já tem um beijo o qual não trocaria por nada, e já achou colo quente o suficiente para os teus arrepios no meio da noite. Teu pé gelado não vai se contorcer sozinho no lençol. Você vai até me falar sobre as mágoas, sobre ser assim mesmo. E eu sem te olhar porque não posso. Eu vou sorrir; continuar tão calada como sempre - até te desejar boa sorte. Pra te convencer de que comigo está tudo bem, pra me convencer também. E aí vou fingir que os meus sonhos de largar tudo só pra saber que você está por perto nunca existiram, vou esconder dentro de mim mais um sentimento como uma flor em um vaso. E caminharei em passos lentos, observando a sua imagem projetada na janela molhada pela chuva, assim como te via por detrás dos meus olhos cheios de lágrimas. Lágrimas que eu escondia dos teus sorrisos encantadores e que cessavam imediatamente à iminência de qualquer gesto teu que pudesse me encher de esperança fajuta, ilusão.
Então, eu tentaria me livrar desse sentimento me dizendo que te querer foi só uma vaidade, porque eu nem gostava da forma como você entendia tudo o que eu tinha pra dizer antes mesmo que eu dissesse; ou de como você sabia o quanto eu te amava mesmo sem eu nunca ter dito. Também não gostava de quando você me abraçava com aquela delicadeza que eu nunca vi em mais ninguém. Tudo pra tentar te apagar em mim – inútil. Este amor, platonicamente, não se iria. Como um infarto no coração, seria uma parte morta; incapacitada de pulsar por si mesma, mas que continuaria ali - em mim. 
Eu iria ficar sem saber o que fazer com tudo o que tinha guardado pra você, transbordando. Decidiria nunca mais querer ninguém: fria, fechada, forte. Aí passaria alguns dias buscando distração: livros velhos, filmes, talvez um pouco de jazz. E pode até ser que você pense nas palavras trocadas, na minha expressão de quem tentava não expressar nada; eu obviamente pensaria. Mas depois, tudo bem. A velha maneira de agir como se nada estivesse acontecido entraria em cena; nos encontraríamos e sorriríamos sem nem sarcasmo ou ironia. Mas quando estivéssemos outra vez olhando a praia da calçada como agora, sem nada para falar, então você sentiria a angústia entupida em mim e eu a ansiedade de um “por favor, continue em silêncio” em você. E eu ficaria em silêncio – sem dúvidas – pq então você teria dito que não e minhas chances estariam esgotadas. Eu deveria te escrever um poema, talvez. Mas não. Pq, mesmo antes de perguntar, eu sei que você vai dizer que não e eu estarei atada. Ainda assim, não sei pq:
- Você quer fugir comigo?
- Quero.