segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

lembranças que não me reconhecem mais

Os pés que chegavam da rua marcaram o chão com pegadas molhadas, sobre elas e a poeira de costume, deitavam-se as roupas jogadas às pressas pelo chão. Haviam gritos, também. Gritos roucos e desafinados disputavam em altura e exaltação. Como árida trilha sonora o som de duas televisões ligadas em canais diferentes e de algum jogo de computador. No fundo de tudo, tentando sobrepor-se à toda sinfonia barulhenta, havia uma torrencial e passageira chuva de verão.
A situação era tão aterrorizante quanto o contexto, as palavras ditas tão enfurecidas e perfurantes quanto os olhos do garoto propaganda na TV. Não houveram tapas, já não podiam mais, seria uma bela disputa de forças como Spartacus e seu adversário numa arena, sem intervenções até que um caísse sobre a areia quente, morto de ódio e humilhação. Os motivos já não precisavam ser questionados; ninguém estava certo, ninguém iria ceder.
As palavras afiadas arranharam a garganta antes de saírem, esta estava seca e dolorida – os cigarros também ajudaram. Era o que restava das brigas em que só haviam derrotados: o olhar fulminante que desejava passageiramente uma vingança que nunca viria; porque, na verdade, o ódio também nunca veio. Mas haviam limites e nenhum de nós negava saber disso. Um dia alguém disse que as pessoas deveriam viver juntas e se respeitarem enquanto umas mandavam nas outras; todos aceitaram isto e nós estavamos sentindo o quanto não dava certo. Algumas pessoas simplesmente não se adaptam a todo este fingimento, e eu era assim. Talvez não amasse, mas também não odiaria; desde que me deixassem ficar em silêncio sem me perguntarem o porquê.
Parece fácil assim, quando eu digo; mas não é. As pessoas precisavam dar ordens e demonstrar o quanto eu era dependente delas ainda que soubessem o quão isto não era verdade. Mas as verdades não eram o mais importante agora; as mentiras que eram repetidas todas as vezes acabavam me parecendo mais sinceras, me convenci de que o problema era comigo e decidir ir, e passar o resto da existência sempre indo o mais longe que puder.

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