"Parece-me agora, tanto tempo depois,
que as partidas-dolorosas, as amargas separações,
as perdas-irreparáveis costumam lavrar assim o rosto dos que ficam."
O Marinheiro, Triângulo das Águas - Caio Fernando Abreu
Formava-se, antes de tudo, um voluptuoso nódulo nos corpos estáticos. No cerne das vísceras engrandecia-se como um verme, enegrecia-se. E as angústias apressadas migravam nas veias sujas, até chegarem na parte em questão. Incomodava por dias e noites, nos impedindo de dormir. Antes não; antes havia sido apenas uma parte do corpo que não clamava por tantos cuidados; mas que era indispensável ao, apesar de tudo, funcionamento de cada um.
Agora, então, era uma bola de sensações inoportunas, redondas e orgânicas como tinham que ser. Não havia nenhuma sofisticação naquelas sensações animalescas que vinham como visitas apenas na hora de partir. E partiam. O nódulo crescia até não caber mais no espaço que o envolvia; como um embrião sugava as forças dos últimos suspiros de desespero, apatia incrédula e fina dor. Fina, no meio do peito como aquelas que tentam decidir entre um nunca mais e um até logo. E até logo, pequeno pedaço arrancado de todos nós. Significativamente éramos fagocitados aos poucos pela falta de sentido dessa vida faminta, louca para devorar aqueles que a desafiam. Você nos come aos poucos, vida; aos pedaços. E dessa vez só restou o instrumento deitado ao canto, esperando pelo sopro agora menos denso que o ar. E uma câmera ligada caída no chão, gravando os passos moribundos dos que a vida ainda há de devorar. Mas te comemos também, breve existência, e te comemos sorrindo e brindando a nós mesmos, aos nossos pedaços. Porque se você nos quer por inteiros, só te queremos para alguma satisfação.
Saiu assim, antes do choro.
Mariana Morena
to chorando, de novo
ResponderExcluirLindo Mari!E merecido...
ResponderExcluir