sábado, 6 de fevereiro de 2010

Tiago Ribeiro

"Parece-me agora, tanto tempo depois,
que as partidas-dolorosas, as amargas separações,
as perdas-irreparáveis costumam lavrar assim o rosto dos que ficam."
O Marinheiro, Triângulo das Águas - Caio Fernando Abreu

Formava-se, antes de tudo, um voluptuoso nódulo nos corpos estáticos. No cerne das vísceras engrandecia-se como um verme, enegrecia-se. E as angústias apressadas migravam nas veias sujas, até chegarem na parte em questão. Incomodava por dias e noites, nos impedindo de dormir. Antes não; antes havia sido apenas uma parte do corpo que não clamava por tantos cuidados; mas que era indispensável ao, apesar de tudo, funcionamento de cada um.
Agora, então, era uma bola de sensações inoportunas, redondas e orgânicas como tinham que ser. Não havia nenhuma sofisticação naquelas sensações animalescas que vinham como visitas apenas na hora de partir. E partiam. O nódulo crescia até não caber mais no espaço que o envolvia; como um embrião sugava as forças dos últimos suspiros de desespero, apatia incrédula e fina dor. Fina, no meio do peito como aquelas que tentam decidir entre um nunca mais e um até logo. E até logo, pequeno pedaço arrancado de todos nós. Significativamente éramos fagocitados aos poucos pela falta de sentido dessa vida faminta, louca para devorar aqueles que a desafiam. Você nos come aos poucos, vida; aos pedaços. E dessa vez só restou o instrumento deitado ao canto, esperando pelo sopro agora menos denso que o ar. E uma câmera ligada caída no chão, gravando os passos moribundos dos que a vida ainda há de devorar. Mas te comemos também, breve existência, e te comemos sorrindo e brindando a nós mesmos, aos nossos pedaços. Porque se você nos quer por inteiros, só te queremos para alguma satisfação.

Saiu assim, antes do choro.
Mariana Morena

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