sexta-feira, 10 de julho de 2020

que pedaço de nós não olhamos mais nos olhos?


Por que sou levada a escrever? Porque a escrita me salva da complacência que me amedronta. Porque não tenho escolha. Porque devo manter vivo o espírito de minha revolta e a mim mesma também. Porque o mundo que crio na escrita compensa o que o mundo real não me dá. No escrever coloco ordem no mundo, coloco nele uma alça para poder segurá-lo. Escrevo porque a vida não aplaca meus apetites e minha fome. Escrevo para registrar o que os outros apagam quando falo, para reescrever as histórias mal escritas sobre mim, sobre você. Para me tornar mais íntima comigo mesma e consigo. Para me descobrir, preservar-me, construir-me, alcançar autonomia. Para desfazer os mitos de que sou uma profetisa louca ou uma pobre alma sofredora. Para me convencer de que tenho valor e que o que tenho para dizer não é um monte de merda. Para mostrar que eu posso e que eu escreverei, sem me importar com as advertências contrárias. Escreverei sobre o não dito, sem me importar com o suspiro de ultraje do censor e da audiência. Finalmente, escrevo porque tenho medo de escrever, mas tenho um medo maior de não escrever.



Joguem fora a abstração e o aprendizado acadêmico, as regras, o mapa e o compasso. Sintam seu caminho sem anteparos.Para alcançar mais pessoas, deve-se evocar as realidades pessoais e sociais — não através da retórica, mas com sangue, pus e suor.Escrevam com seus olhos como pintoras, com seus ouvidos como músicas, com seus pés como dançarinas. Vocês são as profetisas com penas e tochas. Escrevam com suas línguas de fogo. Não deixem que a caneta lhes afugente de vocês mesmas. Não deixem a tinta coagular em suas canetas. Não deixem o censor apagar as centelhas, nem mordaças abafar suas vozes. Ponham suas tripas no papel.
Não estamos reconciliadas com o opressor que afia seu grito em nosso pesar. Não estamos reconciliadas.
Encontrem a musa dentro de vocês. Desenterrem a voz que está soterrada em vocês. Não a falsifiquem, não tentem vendê-la por alguns aplausos ou para terem seus nomes impressos.
Com amor,
Gloria