quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Em lugar de um poema

"Quando um boi está morto de trabalho
ele se vai
e se deita na água fria.
Afora o teu amor para mim não há mar,
e a dor do teu amor nem a lágrima alivia.”
Lílichka, Em lugar de uma carta – Maiakovski


Você vai me dizer que não. Que já tem um beijo o qual não trocaria por nada, e já achou colo quente o suficiente para os teus arrepios no meio da noite. Teu pé gelado não vai se contorcer sozinho no lençol. Você vai até me falar sobre as mágoas, sobre ser assim mesmo. E eu sem te olhar porque não posso. Eu vou sorrir; continuar tão calada como sempre - até te desejar boa sorte. Pra te convencer de que comigo está tudo bem, pra me convencer também. E aí vou fingir que os meus sonhos de largar tudo só pra saber que você está por perto nunca existiram, vou esconder dentro de mim mais um sentimento como uma flor em um vaso. E caminharei em passos lentos, observando a sua imagem projetada na janela molhada pela chuva, assim como te via por detrás dos meus olhos cheios de lágrimas. Lágrimas que eu escondia dos teus sorrisos encantadores e que cessavam imediatamente à iminência de qualquer gesto teu que pudesse me encher de esperança fajuta, ilusão.
Então, eu tentaria me livrar desse sentimento me dizendo que te querer foi só uma vaidade, porque eu nem gostava da forma como você entendia tudo o que eu tinha pra dizer antes mesmo que eu dissesse; ou de como você sabia o quanto eu te amava mesmo sem eu nunca ter dito. Também não gostava de quando você me abraçava com aquela delicadeza que eu nunca vi em mais ninguém. Tudo pra tentar te apagar em mim – inútil. Este amor, platonicamente, não se iria. Como um infarto no coração, seria uma parte morta; incapacitada de pulsar por si mesma, mas que continuaria ali - em mim. 
Eu iria ficar sem saber o que fazer com tudo o que tinha guardado pra você, transbordando. Decidiria nunca mais querer ninguém: fria, fechada, forte. Aí passaria alguns dias buscando distração: livros velhos, filmes, talvez um pouco de jazz. E pode até ser que você pense nas palavras trocadas, na minha expressão de quem tentava não expressar nada; eu obviamente pensaria. Mas depois, tudo bem. A velha maneira de agir como se nada estivesse acontecido entraria em cena; nos encontraríamos e sorriríamos sem nem sarcasmo ou ironia. Mas quando estivéssemos outra vez olhando a praia da calçada como agora, sem nada para falar, então você sentiria a angústia entupida em mim e eu a ansiedade de um “por favor, continue em silêncio” em você. E eu ficaria em silêncio – sem dúvidas – pq então você teria dito que não e minhas chances estariam esgotadas. Eu deveria te escrever um poema, talvez. Mas não. Pq, mesmo antes de perguntar, eu sei que você vai dizer que não e eu estarei atada. Ainda assim, não sei pq:
- Você quer fugir comigo?
- Quero.

2 comentários:

  1. look in the eyes of the savage girl, fall in love with the underworld (...)
    Sei lá, você guarda tanta coisa nesses silêncios pertinentes que as vezes é melhor ser inconveniente; se todo mundo visse o que eu vejo em você...

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