segunda-feira, 27 de julho de 2009

viver deixando viver

Enquanto ele calava ela podia lembrar de cada uma das palavras escritas no papel amassado entre os dedos curtos, e não havia mais aquela trilha sonora urbana de aparelhos eletrônicos freneticamente lembrando que há algo a se fazer, o silêncio era tão grande e raro que quase ouviam o pensamento um do outro, achando que eram os seus. Talvez não saísse de nenhuma daquelas bocas o que naquele momento saia do coração, nem mesmo o que havia sido passado - às pressas - para o papel. A vontade de dizer qualquer coisa sobre aquilo que pulsava no peito morria ainda na garganta, coisificadas pelos corpos que não sabiam nem sentir nem expressar. Não sabiam. Mas de alguma forma, com0 se isto sempre tivesse existido em algum lugar, descobririam que a não-expressão não é capaz de matar um sentimento que nasce sem saber o que é, reprimi-lo poderia significar calá-lo, mas jamais fazer com que ele não tivesse existido naquele momento, intensamente.
E ainda que as bocas permanecessem caladas, o papel amassado nos dedos, foram os olhos dele e dela que se acharam no silêncio e disseram como quem grita de cima de um prédio: ainda que depois eu vá embora, agora o que sinto é sincero e intenso. Reciprocamente; o sentimento indefinido expressou-se e, naquele momento, foi o suficiente.
Mesmo que não fosse. O verdadeiro não necessita ser demonstrado, ele existe tão real como o nada, assim concreto, e isto deveria bastar. Ali, naquelas condições, com ações passadas como diabos ao pé do ouvido, talvez não bastasse. Talvez não, porque haviam condições, exigências, cobranças e limites que buscavam tolir um sentimento; por mais que fosse impossível (e era) trazer algo tão inclassificável para a (i)lógica das nossas impostas rotinas, impostos medos, impostas vontades. Era um sentimento tão verdadeiro que não poderiam moldá-lo - e o sabiam. Mas era preciso muito mais para vivê-lo na sua completude, na sua liberdade intrínseca. Não existiam parâmetros para as eventuais comparações, o sentimento que anacronicamente fazia aquele silencio tornar-se infinito e aqueles segundos ultrassônicos, vivê-lo era o único meio de chegar nele mesmo.
E por detrás daqueles olhares atordoados que se cruzavam em pontos imaginários surgia uma vontade, pequena em relação ao resto ao seu redor, mas imensa quanto à ela mesma, de deixar tal sentimento aflorar por cara poro, na pele, no cheiro, na voz, em todas as ações a partir do momento vivido, como uma semente ainda imatura por entre plantas mortas; apenas esperando o momento ideal para espalhar-se por todos os cantos; como o barulho de um beijo entre o som de buzinas, uma onda no sentido contrário da correnteza, um sopro de sinceridade em uma tempestade de delimitações. O sentimento demandava por vida como filhotes de aves famintos num ninho, querendo apenas sobreviver para voar por aí; semeando - e talvez acabar quando for hora.
Qualquer um que os visse com o sentimento do peito transbordando para todos os lados perceberia o quão bom poderia ser deixar viver algo assim, tão inclassificável e impossível de nomear, tão incomum sob a visão dos acostumados. Por ser natural que as pessoas busquem - ainda que reprimidamente - algo para satisfazê-las, veriam neste sentimento o prazer real que lhes havia sido roubado como preso na caixa de Pandora, e viveriam-o também, descobririam-o dentro de si (porque ele existe!) e fariam com que ele pudesse ser expresso e semeado por todos os que estivessem dispostos a desejá-lo. Seria vivido não apenas individualmente, não aos pares, mas por completo. Com todos os que o quisessem sentir.

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(Eu adimiro o amor e queria ser como ele, ainda que ninguém queira, perceba ou aceite; ele continua sendo livre.)

Um comentário:

  1. "vive-lo era o unico meio de chegar nele mesmo". Escrever é viver, porque manter-se vivo é sonhar. Sonhar com todas essas sementes socadas em algum canto de nós que não consegue aflorar e determinar-se com vigor...
    Nunca amei, mas já senti amor um bocado e hoje suas palavras lindas e muito bem escritas me fazem querer chorar o rio que não tenho nessa cidade absurda; os meus beijos sinceros são os seus e... enfim, obrigada por me passar isso tudo.

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